segunda-feira, julho 15, 2013

TEMPO

As expressões, a verbal e a do rosto, vêm carregadas de amargura: no meu tempo... O resto não quis ouvir. Nunca escuto o que vem depois deste início infeliz. Quase sempre é alguma coisa de depreciativo em relação ao momento, ao interlocutor ou ao comportamento de alguém, a qualquer coisa que está ocorrendo e que no “seu” tempo não ocorria ou ocorria diferente. Sei lá o que fazer desta informação... E depois - penso - o passado nunca foi exatamente aquilo que se vê daqui. Do agora. O tempo é maroto como ele só. Faz das suas, apronta. E, vai daí que se vê o que “foi” de um jeito atenuado, aumentado, modificado, colorido, descolorido, distorcido e, mais das vezes mentiroso. Mente-se pra caramba no passado. Mesmo sem querer - embora alguns queiram muito - fabricando um tempo que não existiu. De qualquer maneira o ponto de vista que se tinha “naquele tempo” era bem diferente.  É... Me dizem volta e meia: no meu tempo. Sempre achei esquisita essa maneira de falar. Vá lá! É apenas uma expressão. Todo mundo usa. E porque todo mundo usa acha-se que é assim mesmo. Mas eu, não! Reclamo sempre. E aí, alguns pacientes interlocutores, julgando-me um tanto apoucada, tentam explicar: isso quer dizer que... Não precisam explicar: eu sei o que quer dizer. Mas estão dizendo mal. Já nos idos de Santo Agostinho, ficou claro que o tempo não é de ninguém. Não existe nem “meu” tempo, nem “seu” tempo. É verdade que o Santo andou dizendo isso por razões outras que não as minhas: eram os juros, que o deixavam furioso com a indevida apropriação do tempo pelos homens, alguns fazendo fortunas com o passar do. Segundo ele, o tempo só a Deus pertence. E minha discordância nada tem a ver com a usura tão ferozmente condenada pelo Santo. Mas, concedam-me até os não católicos, Santo Agostinho é pessoa de peso para respaldar, ainda que numa forçação de barra, minha divagação sobre o tempo. O tempo que passou ou o que resta (sempre me parece pouco para o tanto que preciso), não deveria, como acontece, ser objeto de tantos possessivos e de tantas e acacianas expressões. Espero ser desculpada pelo trocadilho, mas o uso desses possessivos é uma perda de tempo! Estou me referindo àquelas expressões terríveis, entregues numa bandeja, como um elogio ou como um exorcismo à idade que, na verdade se tem: você tem uma cabeça tão moça!. Idade é a da cabeça! Gente! Uma cabeça (qualquer) depois de viver anos e anos, presenciando e vivendo tudo que presenciou e viveu, aprendendo, desaprendendo, acertando e errando, acumulando memórias, estados de espírito, mudanças de ponto de vista, de gostos, de hábitos e que mais sei eu, não consegue continuar moça! Caramba! Uma cabeça que aos sessenta, setenta, e por aí vai (e por aí vou), continue moça deve ser imbecil. Mocidade não é na cabeça. Graças a Deus, não! E a gente sente a idade sim, na sucessão dos filhos, dos netos, das experiências boas e más, de tudo que aconteceu e que tornou a gente como é hoje e naquela dorzinha que vem, uma aqui e outra acolá, mesmo que não doentes. E isso são as idades que vai se tendo, vida afora, minha gente! Todas vividas às nossas custas, num acrescentar único para cada um. Um dia, lá pelos meus doze anos, perguntei a meu pai o que era cultura. A resposta pareceu-me um tanto maluca: é tudo aquilo que fica depois que se esqueceu onde aprendeu. Ele explicou, sim, mas naquela época não fez muito sentido. Foi só lá pela altura dos trinta que começou a fazer e foi-se tornando cada vez mais verdade à medida que os anos passavam. Ele falava da cultura de cada um. Aquela que se forma a partir de tudo que vai se aprendendo, em qualquer canto. Por tudo que se vai construindo. Com os livros, com as pessoas, com a observação dos olhos que vêem e dos ouvidos que escutam. Este tudo entra dentro da gente, fazendo uma confusão, misturando com o que já lá estava. Quando sai, sai de uma forma diferente da que entrou porque a química da mistura é única para cada ser humano. É esta a cultura de cada um. A menos, é verdade, que a pessoa seja um “citador”. Os “citadores” são verdadeiras máquinas de repetição. Tudo que sai é exatamente igual ao que entrou. Dá até para perceber o ponto e vírgula que é coisa que eu tenho a maior dificuldade de perceber, mesmo lendo! Quando falam, a gente chega até escutar o ranger da gaveta do arquivo interno que se abre para liberar, no momento certo, a frase, a idéia, a palavra que não é sua, mas que está lá, à espera de ser verbalizada, arquivada por assunto, autor e em ordem alfabética! Às vezes chego a perceber o franzir da testa na procura aflita do encaixe de uma citação no assunto do momento. Geralmente a frase, a que antecede à citação, começa, invariavelmente com: já dizia... Meu Deus, se Montesquieu, Oscar Wilde ou o Barão de Itararé “já diziam”, dizer de novo é dose. E o que é pior, é que é de novo, de novo e de novo... O que importa é a cultura de cada um que se forma ao longo de uma vida, numa salada em que Montesquieu, Oscar Wilde e Barão de Itararé, misturam-se ao que se ouviu do primo Olegário. Daí, quanto mais velha a cabeça, maior e mais verdadeira a cultura. Cabeça, com o tempo, pode (e deve) ficar cada vez mais atual! E atualidade é uma coisa pra lá de boa. Afinal de contas vivemos e convivemos nela, com qualquer idade que se tenha. Um velho atual é com certeza um velho interessante. Um velho “moço”, me desculpem, é um grandíssimo tolo. Mesmo porque só os moços sabem e podem ser moços. É um privilégio lá deles, inerente e inalienável. Como é o meu de ser velha (para mim), idosa (no banco) e terceira idade (no politicamente correto) e, acreditem, é um grande privilégio.

2004



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