Só
ontem lhe disseram. E desde então não lhe sai da cabeça. É ridículo, mas nem
pôde dormir. Direito é direito. Não se
pode abrir mão de um, nos tempos que correm tão escassos deles. Como é que ela
não sabia disso? Devia existir uma publicação. Não diria diária, mas assim, de
vez em quando. Imagina que nome teria. “Promoções para terceira idade”...
Qualquer coisa do gênero. Como não existe, foi por acaso que ficou sabendo que
poderia andar no bondinho do Pão de Açúcar, sem pagar ou pela metade do preço, sabe
lá ela. Percebe certa lógica nisso. Pode no metrô que anda por baixo. Pode no
ônibus que anda na superfície. Vai daí que deve poder em alguma coisa que ande
pelos altos. Avião não pode. As companhias aéreas ainda não descobriram a
terceira idade. Então, pelos ares, só pode mesmo ser o bondinho. Ela anda
fazendo coleção dessas “benesses” e trata logo de usá-las numa sensação de
privilégio que é bastante agradável. Mas desta vez criou-se um problema. Alguém
vai ao Pão de Açúcar sozinho? Fica um tanto esquisito, não? Que ela se lembre,
todas as vezes que foi, foi em bando. Bando de crianças, bando de amigos de
outros estados, de outros países, de convencionais das mais variadas
convenções, e o que mais tenha. E agora não existe um só bando em que possa se incluir.
As netas vão olhar com certo espanto se fizer o convite. Pode ser até que se
disponham a ir, mas certamente vão achar estranho e ser olhada com estranheza,
na idade dela, é pra lá de perigoso. Pode levar a elucubrações sobre o
funcionamento de seu cérebro que, cá pra nós, ainda dá pro gasto. Todas as
crianças que conhece já foram e não têm a menor vontade de ir de novo, muito
mais interessadas que estão nos Godzillas da vida. Já não vai mais a
convenções, seminários e outros que tais. Vez por outra vê em jornais e
folhetos, anúncios de passeios para terceira idade. Nenhum ao Pão de Açúcar.
Tem ida a boates, a teatros, a restaurantes, passeios de barco, mas Pão de
Açúcar, não! Pode, é claro, ficar na espreita, lá na entrada e se introduzir,
como quem não quer nada, a um grupo de turistas de outra nacionalidade que não
sabendo falar português estariam impossibilitados de interpelá-la pela
intromissão e, para os tupiniquins ela poderia perfeitamente passar por velha
italiana, velha francesa ou mesmo velha inglesa. Mas estas nacionalidades em
grupo são raras e a espera de um desses grupos poderia levar dias, meses. Os
americanos são mais comuns, mas para velha americana não leva jeito.
Esfuziantes estampados e chapeuzinhos ela não os tem. Os grupos japoneses
pululam, mas é óbvio que eu não iria passar despercebida entre eles. Fazer o
que? Claro que mesmo sendo um tanto inadequado, pode ir sozinha. Mas como é que
vai se comportar sozinha no Pão de Açúcar? Aquela cara de “que beleza!” não dá
pra fazer durante muito tempo sem falar alguma coisa. E falar sozinha é outro
dos perigos que precisa a todo custo evitar. Pega mal. Ficar vagando a esmo,
como uma expressão vazia e sem falar, poderia ensejar a que alguém tentasse
recolhe-la como uma velha desmemoriada que por lá, e sabe-se Deus como, perdeu
o rumo de casa. Uma coisa puxa a outra, não é? Deixa com tristeza o Pão de
Açúcar de lado e concentra-se no “ir sozinha”. É espantoso! Os da terceira
idade não conseguem “ir sozinhos”. A qualquer lugar. Todo um cortejo de
parentes, acompanhantes e, para os mais abonados, motoristas, se empenha e
levar vovó, levar bisa. “Quem vai levar vovó?” e está posto o problema.
Discussões, desculpas e arrazoados familiares se impõem a cada reunião de
família. Pode, em alguns casos, em que a vovó é maneira, haver até uma disputa
para ter o privilégio. Não importa. De qualquer modo, “leva-se vovó”, sem que
ninguém se pergunte se vovó gostaria de ir sozinha, saindo a hora que quisesse
e voltando idem. Tomando um taxi e livrando-se da sensação de ser “levada”.
Pula daí para outras paragens: não tem mais carro. Por que? É uma história
longa que tem a ver com o INSS. A sigla lhe causa um arrepio desagradável.
Melhor ir dormir. Dane-se o Pão de
Açúcar.
2004
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