sexta-feira, fevereiro 28, 2014

QUEM AMA O FEIO...


            Só namoro homens bonitos” dizia Cremilda. Bonita que só ela jamais havia encontrado dificuldade em manter esta máxima que mais era uma promessa.  Até que surgiu Jacinto. Feio que só ele. Um susto mesmo! O aceitar o convite para dançar no baile de formatura da Rosa foi assim como uma caridade. Surpreendeu-se pensando “como ele dança bem!” enquanto girava em seus braços. Pouco falaram. Ele disse o nome; ela disse o dela e ficou por ai.

Depois o viu dançando com Soninha que ria muito de alguma coisa que ele havia dito. Isto a perturbou: com ela não havia falado praticamente nada. Coisa esquisita. Curiosa perguntou à Soninha: “quem é?” Ficou no espanto da resposta: “é um sujeito incrível. Divertidíssimo. Marcamos um cinema amanhã". Aquilo, sabe-se lá por que, a incomodou. Jacinto não havia demonstrado o menor interesse por ela.

Dias depois, na praia, Jacinto aparece na barraca acompanhando Soninha e, num à vontade incrível, enturmou-se de estalo. Encantador parecia ter sempre pertencido ao grupo que o aceitou de imediato. Fora um “como vai?” distraído e sorridente, não lhe dirigiu palavra. Isto a deixou embasbacada. Havia-se habituado a ser o alvo das atenções dos rapazes e a aparente indiferença de Jacinto era desagradável. Inexplicável mesmo. A coisa piorou quando ele pediu emprestada a prancha de surf do Pedro... e deu um show! Soninha encantada com o sucesso de Jacinto, deitou falação: “ele morou muito tempo na costa oeste dos Estados Unidos. Fez universidade lá”.  Não resistiu e perguntou à Soninha: “você tá ficando com ele?” Ela sorriu e não respondeu. “Vai ver tem vergonha de dizer”, ela pensou, “ele é tão feio”.

A tarde já ia caindo quando a turma saiu da praia combinando o encontro para mais tarde à noite. Ai ela não agüentou e perguntou: “você vai?” E não entendeu porque ficou decepcionada com a resposta: “não vai dar...” Naquela noite a reunião da turma no bar de sempre foi uma droga. Jacinto não saia de sua cabeça.  Insistiu com Soninha: “você está ou não está ficando com ele?” Ela riu e respondeu: “bem que eu queria. Ele é o máximo. Mas acho que tem alguém na jogada”. E ela, contrariando sua máxima resolveu: ia procurar se aproximar dele. Mas não contava com o sumiço. Porque ele sumiu, evaporou-se! Atacou Soninha de perguntas. E ela ou fez-se de desentendida ou não sabia mesmo onde ele andava. Fato é que nem o número de telefone foi conseguido.

E Jacinto virou uma obsessão. Já nem dormia direito e, quando dormia, sonhava com ele, feio daquele jeito, sobre as ondas, surfando. Um dia, saindo da Faculdade o viu de longe, na direção de um carro estacionado bem em frente.  O coração parou e ela dirigiu-se para o carro disposta a abordá-lo... e ele engrenou uma primeira e partiu sem perceber sua presença.  Ficou ali tremendo, quase chorando. Podia aquilo? A partir daí todos os dias deixava-se ficar sentada na escadaria da Faculdade, por horas a fio, na esperança de que ele reaparecesse. E nada. Ficou triste, muito triste. Tão triste que pensou até em não ir à festa que Soninha dava todo fim de ano e que era um estouro. Soninha escandalizou-se: “só faltava mais esta! Tem que ir! Qual é!”

E ela fez das tripas coração e lá se foi sem mesmo caprichar no visual. Deixou-se ficar na varanda, olhando mar que ele dominava tão bem. De repente uma voz a acorda do sonho: “como vai?” e ela foi às nuvens. Era ele! Sorrindo para ela. Sem dizer palavra ele a pega pela mão e saem dançando. Ali mesmo na varanda onde se deixaram ficar por horas. Foi tão estranho. Parecia que sempre haviam se falado. As palavras vieram soltas, sem censura, verdadeiras. Foi bom. Foi tão bom. Quando à meia noite foram chamados para cantar o parabéns pra você, entraram na sala de mãos dadas como se estas sempre estivessem estado unidas. Viram o dia amanhecer juntos, muito juntos.


Dias depois ela achou que deveria apresentá-lo aos pais. Afinal o namoro estava firme e até faziam planos para o futuro. E ele veio, convidado para um almoço. Com sempre encantou a todos. Houve somente um pequeno incidente. Quando ele se foi ela encheu os pais de perguntas. Queria, precisava muito saber o que haviam achado.  Radiante ouviu dos pais e do irmão os comentários mais que favoráveis. Até o momento em que a mãe incauta declarou: “pena que é tão feio!”. Furiosa, agressiva até, ela responde aos gritos para espanto de todos: “Feio?! Ele?! Pois fiquem sabendo que Jacinto é um gato!” 

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