sábado, fevereiro 22, 2014

ESTÁ NA MODA


Nenhum dos muitos projetos do arquiteto Adalberto Brandão lhe causava tanto orgulho quanto o da reforma de Sarita, sua mulher. É... Sarita era um projeto. Bem sucedido como todos os que lhe saiam das mãos. Fazia tempo que a havia visto pela primeira vez, naquela pequena cidade do interior. A espera do conserto do carro, afinal, havia se revelado proveitosa! Havia finalmente encontrado aquela que poderia transformar, esculpir, educar e sobretudo, vestir. E ele, esquecido do compromisso que o aguardava, partiu para o ataque. Sem chance, Sarita sucumbiu. Adalberto era um belo homem e ainda por cima rico e de sucesso.

Mas, acreditem, não foi por isto! A verdade é que Sarita caiu-se mesmo de amores e foi assim que se deixou transplantar para cidade grande, feliz que só ela. Passaram-se meses até a inauguração de Sarita. Confinada no pequeno apartamento em que Adalberto a havia escondido, passava dias e noites sendo “remodelada” por profissionais de beleza, comandados por Adalberto. Ela via nisto uma prova de amor e empenhava-se e como se empenhava. Até que se deu o grande dia em que foi apresentada por Adalberto, a seu circulo de amigos, como namorada titular.

Numa história confusa sua origem foi modificada o suficiente para evitar que a curiosidade dos amigos revelasse a origem humilde de Sarita. E foi assim que a namorada passou a noiva e de noiva a mulher. Filhos nem pensar. Sarita tinha uma missão definida: aparecer. E como aparecia! Adalberto havia tomado gosto pela coisa e, ao longo dos anos, continuava empenhado na educação de Sarita que, ótima aluna, passou a ditar modas. No princípio apenas comentadas e seguidas pelas invejosas mulheres dos amigos de Adalberto. Aos poucos foi sendo citada nas colunas sociais e num piscar de olhos ascendeu às revistas e, maravilha das maravilhas, tornou-se capa da Vogue.

Adalberto não cabia em si. Remodelou toda a cobertura para que se tornasse uma moldura digna do objeto Sarita. Cada cor de parede, cada móvel, foi escolhido buscando a harmonia perfeita com a moça que brilhava cada vez mais. Mas lá por dentro de Sarita nem tudo era perfeito. Foi lá pelos cinco anos de casamento que começou a surgir, insidiosa, uma insatisfação esquisita. Falta de alguma coisa que ela nem sabia o que era. Só falou disto a Mauro, o pária do grupo de amigos. Mauro era mesmo um estranho no ninho. O sócio de Adalberto era tolerado apenas por seu talento como arquiteto. Um esquisitão, diziam. Mas era o único com quem Sarita conversava de verdade. Fazia-lhe bem o sorriso calmo, a ausência de ostentação, o modo tranqüilo de ser.

Quando ela falou Mauro apenas sorriu e murmurou: é uma fase. Acontece. Vai passar. E ela aliviada pela doçura das palavras, acreditou, e ficou mais ligada a ele. Conversavam muito, Assuntos bem diferentes daqueles que povoavam as conversas baldias do grupo que, extrapolando o vestir, discutiam comportamentos os mais esdrúxulos. Estes também podiam estar na moda... ou fora dela. E conforme fossem classificados eram ou não aceitos.
Um belo dia programou-se um fim de semana numa bela mansão em Itaipava. Sarita se encantou quando soube que estava escalada para ir no carro de Mauro. A “moda” naquela estação era separar casais. Um imprevisto fez com que se retardassem, partindo um pouco depois da caravana, já meio a uma tempestade. E eis que pela segunda vez, o acaso dá uma reviravolta no destino de Sarita. A conversa corria solta e gostosa quando ela num gesto nada elegante, tira os sapatos e coloca os pés apoiados no pára-brisa. Mauro sorri: você está linda assim. Parece uma menina. E ela recorda do tempo em que fazia isto na velha caminhonete do pai. E vem o grito mudo interior: Não sou feliz!


Neste momento em frente a eles desaba uma barreira bloqueando a estrada. Mauro freia a tempo. Atrás nenhum carro. O jeito é dar meia volta e avisar aos carros que porventura estejam subindo, mas outra barreira desaba atrás e os dois se vêm isolados do mundo entre duas montanhas de terra. E foi ai que dentro deles outras barreiras desabaram. Assustados e felizes, molhados pela chuva que agora caia fina, sujos de terra, lhes vem a certeza de que aquela sensação de felicidade plena havia chegado para ficar. Mauro preocupa-se: como revelar a verdade a Adalberto? Sarita sorri: deixar o marido pelo amigo? Ora, Mauro, está na moda!                   

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