Nenhum dos muitos projetos do arquiteto Adalberto Brandão lhe causava
tanto orgulho quanto o da reforma de Sarita, sua mulher. É... Sarita era um
projeto. Bem sucedido como todos os que lhe saiam das mãos. Fazia tempo que a
havia visto pela primeira vez, naquela pequena cidade do interior. A espera do
conserto do carro, afinal, havia se revelado proveitosa! Havia finalmente
encontrado aquela que poderia transformar, esculpir, educar e sobretudo,
vestir. E ele, esquecido do compromisso que o aguardava, partiu para o ataque.
Sem chance, Sarita sucumbiu. Adalberto era um belo homem e ainda por cima rico
e de sucesso.
Mas, acreditem, não foi por isto! A verdade é que Sarita caiu-se mesmo de
amores e foi assim que se deixou transplantar para cidade grande, feliz que só
ela. Passaram-se meses até a inauguração de Sarita. Confinada no pequeno
apartamento em que Adalberto a havia escondido, passava dias e noites sendo
“remodelada” por profissionais de beleza, comandados por Adalberto. Ela via
nisto uma prova de amor e empenhava-se e como se empenhava. Até que se deu o
grande dia em que foi apresentada por Adalberto, a seu circulo de amigos, como
namorada titular.
Numa história confusa sua origem foi modificada o suficiente para
evitar que a curiosidade dos amigos revelasse a origem humilde de Sarita. E foi
assim que a namorada passou a noiva e de noiva a mulher. Filhos nem pensar.
Sarita tinha uma missão definida: aparecer. E como aparecia! Adalberto havia
tomado gosto pela coisa e, ao longo dos anos, continuava empenhado na educação
de Sarita que, ótima aluna, passou a ditar modas. No princípio apenas
comentadas e seguidas pelas invejosas mulheres dos amigos de Adalberto. Aos
poucos foi sendo citada nas colunas sociais e num piscar de olhos ascendeu às
revistas e, maravilha das maravilhas, tornou-se capa da Vogue.
Adalberto não cabia em si. Remodelou toda a cobertura para que se
tornasse uma moldura digna do objeto Sarita. Cada cor de parede, cada móvel,
foi escolhido buscando a harmonia perfeita com a moça que brilhava cada vez
mais. Mas lá por dentro de Sarita nem tudo era perfeito. Foi lá pelos cinco
anos de casamento que começou a surgir, insidiosa, uma insatisfação esquisita.
Falta de alguma coisa que ela nem sabia o que era. Só falou disto a Mauro, o
pária do grupo de amigos. Mauro era mesmo um estranho no ninho. O sócio de
Adalberto era tolerado apenas por seu talento como arquiteto. Um esquisitão,
diziam. Mas era o único com quem Sarita conversava de verdade. Fazia-lhe bem o
sorriso calmo, a ausência de ostentação, o modo tranqüilo de ser.
Quando ela falou Mauro apenas sorriu e murmurou: é uma fase. Acontece. Vai
passar. E ela aliviada pela doçura das palavras, acreditou, e ficou mais
ligada a ele. Conversavam muito, Assuntos bem diferentes daqueles que povoavam
as conversas baldias do grupo que, extrapolando o vestir, discutiam
comportamentos os mais esdrúxulos. Estes também podiam estar na moda... ou fora
dela. E conforme fossem classificados eram ou não aceitos.
Um belo dia programou-se um fim de semana numa bela mansão em Itaipava.
Sarita se encantou quando soube que estava escalada para ir no carro de Mauro.
A “moda” naquela estação era separar casais. Um imprevisto fez com que se
retardassem, partindo um pouco depois da caravana, já meio a uma tempestade. E
eis que pela segunda vez, o acaso dá uma reviravolta no destino de Sarita. A
conversa corria solta e gostosa quando ela num gesto nada elegante, tira os
sapatos e coloca os pés apoiados no pára-brisa. Mauro sorri: você está linda assim. Parece uma menina. E
ela recorda do tempo em que fazia isto na velha caminhonete do pai. E vem o
grito mudo interior: Não sou feliz!
Neste momento em frente a eles desaba uma barreira bloqueando a
estrada. Mauro freia a tempo. Atrás nenhum carro. O jeito é dar meia volta e
avisar aos carros que porventura estejam subindo, mas outra barreira desaba
atrás e os dois se vêm isolados do mundo entre duas montanhas de terra. E foi
ai que dentro deles outras barreiras desabaram. Assustados e felizes, molhados
pela chuva que agora caia fina, sujos de terra, lhes vem a certeza de que
aquela sensação de felicidade plena havia chegado para ficar. Mauro
preocupa-se: como revelar a verdade a Adalberto? Sarita sorri: deixar o marido pelo amigo? Ora, Mauro, está
na moda!
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