quinta-feira, fevereiro 27, 2014

FATAL ERRO DE JULGAMENTO

           Rosalinda e Peter formam um lindo casal. Por onde passam olhares acompanham com admiração as deslumbrantes figuras que se rivalizavam em beleza. Difícil dizer qual dos dois o mais bonito. Ela, negra brasileira de olhos verdes; ele, sueco de cabelos louros e olhos azuis. São tão bonitos que nem os mais preconceituosos ousariam condenar a formação do casal que se complementa em tudo. Até na maneira de ser: Rosalinda é expansiva, risonha, comunicativa e fala pelos cotovelos; Peter doce, calmo e calado. Muito calado. Até mesmo com a mulher pouco fala. Seu amor, do qual ela não tem a menor dúvida, revela-se através de gestos carinhosos e olhares apaixonados que demonstram o deslumbramento que a mulher lhe causa. Ao invés de falar prefere ouvir as confidências de Rosalinda. Estas são, quase sempre, sobre o sonho e o desejo que mantém desde criança: atuar em um filme.

O mutismo de Peter, estranhamente, não ocorre quando fala ao telefone! Nestas ocasiões ele é capaz de falar longamente. Nunca se soube por que razão é assim. Mas o fato é que é e sempre que necessário um maior tempo de discurso liga para a mulher e deita falação. Isto não incomoda Rosalinda que até vê certo charme nestas comunicações telefônicas. Em todos os anos de casados apenas um pequeno senão havia balançado as certezas de Rosalinda sobre o marido: um comentário inusitado que ele havia feito sobre Amanda, a mulher de um amigo. Peter surpreendera a todos ao comentar os lindos cabelos da moça. Um absurdo para quem nunca, mas nunca mesmo, emite qualquer opinião sobre alguém. Rosalinda sentiu um aperto no coração. Os cabelos da amiga eram lisos e lhe caiam pelos ombros num movimento leve, delicado, suave. Os cabelos de Rosalinda, cuidadosamente tratados, também são lindos formando uma perfeita moldura para seu rosto, mas não são lisos e muito menos longos. Ao contrário formam um capacete negro que fazem com que Antunes, o profissional que deles cuida semanalmente, se dirija a ela como “rainha etíope”. O elogio nunca surtiu efeito.


Rosalinda guarda dentro de si um desencanto: o marido não gosta de seus cabelos e desejaria que os tivesse diferentes. Jamais ousou perguntar. Uma das maiores qualidades de Peter é uma extraordinária sinceridade. Vai que ele confirma suas desconfianças? Seria insuportável saber a verdade; ouvi-la de seus lábios. Vai daí que ela guarda esta mágoa em silêncio. Ontem, Peter ao acordar comunica que um amigo de infância, um grande amigo, está no Rio de Janeiro e ele o havia convidado para jantar no dia seguinte. Pede então a ela que se prepare em sua melhor forma e, horror dos horrores, sugere que vá ao salão para arrumar os cabelos. Coração sangrando Rosalinda marca hora para o dia seguinte.

E é uma Rosalinda destroçada que entra no salão de Antunes. Olhando-se ao espelho ela toma coragem e decide: pede a Antunes que providencie um perfeito alisamento em seus cabelos colocando apliques que os torne longos, muito longos. Em vão Antunes tenta demovê-la deste propósito. De todas as suas freguesas Rosalinda é a que mais lhe causa orgulho. Em vão: Rosalinda exige. E é um Antunes triste que se desincumbe da tarefa de eliminar o volume majestoso da cabeça de sua mais querida freguesa. Obra terminada Rosalinda pensa o quanto Peter ficará orgulhoso de exibi-la ao amigo. Finalmente o único senão que havia entre eles havia sido eliminado.


Neste momento o celular toca. Ela sorri: é Peter que, com certeza, precisa comunicar alguma coisa que merece uma falação mais longa. Vai ver quer discutir sobre qual restaurante merece a ida de um sueco recém chegado ao Brasil. E Peter começa a falar excitado. Não vai conseguir guardar o segredo até a noite. Precisa contar a verdade. Seu amigo, um cineasta sueco, procurava uma negra brasileira belíssima para protagonizar seu próximo filme. E Peter pensou: mais bela que minha Rosa Linda impossível. Então ele havia enviado fotos dela e o amigo havia enlouquecido. Estava vindo ao Brasil para conhecê-la e, certamente, contratá-la. Peter comenta: você é exatamente o que ele havia sonhado. Ficou maravilhado com seus cabelos!!! E completa o horror: como eu, meu amor, são lindos! Em desespero Rosalinda olha sua imagem no espelho.  

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