Rosalinda e Peter formam um lindo casal. Por onde passam olhares acompanham
com admiração as deslumbrantes figuras que se rivalizavam em beleza. Difícil
dizer qual dos dois o mais bonito. Ela, negra brasileira de olhos verdes; ele, sueco
de cabelos louros e olhos azuis. São tão bonitos que nem os mais
preconceituosos ousariam condenar a formação do casal que se complementa em
tudo. Até na maneira de ser: Rosalinda é expansiva, risonha, comunicativa e
fala pelos cotovelos; Peter doce, calmo e calado. Muito calado. Até mesmo com a
mulher pouco fala. Seu amor, do qual ela não tem a menor dúvida, revela-se através
de gestos carinhosos e olhares apaixonados que demonstram o deslumbramento que
a mulher lhe causa. Ao invés de falar prefere ouvir as confidências de
Rosalinda. Estas são, quase sempre, sobre o sonho e o desejo que mantém desde
criança: atuar em um filme.
O mutismo de Peter, estranhamente, não ocorre quando fala ao telefone!
Nestas ocasiões ele é capaz de falar longamente. Nunca se soube por que razão é
assim. Mas o fato é que é e sempre que necessário um maior tempo de discurso
liga para a mulher e deita falação. Isto não incomoda Rosalinda que até vê
certo charme nestas comunicações telefônicas. Em todos os anos de casados
apenas um pequeno senão havia balançado as certezas de Rosalinda sobre o
marido: um comentário inusitado que ele havia feito sobre Amanda, a mulher de
um amigo. Peter surpreendera a todos ao comentar os lindos cabelos da moça. Um
absurdo para quem nunca, mas nunca mesmo, emite qualquer opinião sobre alguém. Rosalinda
sentiu um aperto no coração. Os cabelos da amiga eram lisos e lhe caiam pelos
ombros num movimento leve, delicado, suave. Os cabelos de Rosalinda, cuidadosamente
tratados, também são lindos formando uma perfeita moldura para seu rosto, mas
não são lisos e muito menos longos. Ao contrário formam um capacete negro que
fazem com que Antunes, o profissional que deles cuida semanalmente, se dirija a
ela como “rainha etíope”. O elogio nunca surtiu efeito.
Rosalinda guarda dentro de si um desencanto: o marido não gosta de seus
cabelos e desejaria que os tivesse diferentes. Jamais ousou perguntar. Uma das
maiores qualidades de Peter é uma extraordinária sinceridade. Vai que ele
confirma suas desconfianças? Seria insuportável saber a verdade; ouvi-la de
seus lábios. Vai daí que ela guarda esta mágoa em silêncio. Ontem, Peter ao
acordar comunica que um amigo de infância, um grande amigo, está no Rio de
Janeiro e ele o havia convidado para jantar no dia seguinte. Pede então a ela
que se prepare em sua melhor forma e, horror dos horrores, sugere que vá ao
salão para arrumar os cabelos. Coração sangrando Rosalinda marca hora para o
dia seguinte.
E é uma Rosalinda destroçada que entra no salão de Antunes. Olhando-se
ao espelho ela toma coragem e decide: pede a Antunes que providencie um
perfeito alisamento em seus cabelos colocando apliques que os torne longos,
muito longos. Em vão Antunes tenta demovê-la deste propósito. De todas as suas
freguesas Rosalinda é a que mais lhe causa orgulho. Em vão: Rosalinda exige. E
é um Antunes triste que se desincumbe da tarefa de eliminar o volume majestoso
da cabeça de sua mais querida freguesa. Obra terminada Rosalinda pensa o quanto
Peter ficará orgulhoso de exibi-la ao amigo. Finalmente o único senão que havia
entre eles havia sido eliminado.
Neste momento o celular toca. Ela sorri: é Peter que, com certeza, precisa
comunicar alguma coisa que merece uma falação mais longa. Vai ver quer discutir
sobre qual restaurante merece a ida de um sueco recém chegado ao Brasil. E
Peter começa a falar excitado. Não vai conseguir guardar o segredo até a noite.
Precisa contar a verdade. Seu amigo, um cineasta sueco, procurava uma negra
brasileira belíssima para protagonizar seu próximo filme. E Peter pensou: mais
bela que minha Rosa Linda impossível. Então ele havia enviado fotos dela e o
amigo havia enlouquecido. Estava vindo ao Brasil para conhecê-la e, certamente,
contratá-la. Peter comenta: você é
exatamente o que ele havia sonhado. Ficou maravilhado com seus cabelos!!! E
completa o horror: como eu, meu amor, são
lindos! Em desespero Rosalinda olha sua imagem no espelho.
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