quarta-feira, fevereiro 19, 2014

O FRACASSO DOS SENTIDOS

Não havia a menor dúvida. Até mesmo a turma da sinuca, conhecida por não levar nada a sério, admitia: o olhar de Rodolfo era imbatível. Era só lançá-lo e mais uma conquista se fazia, sem o menor esforço. Como se isto não fosse pouco numa só mirada Rodolfo conseguia avaliar cada detalhe da presa, chegando ao absurdo de, sem erro, avaliar as medida da cintura, dos quadris, do busto e ainda a idade do objeto de desejo. Dados estes importantíssimos a seu ver. Rodolfo era um esteta. Um centímetro a mais ou a menos reprovava sem dó nem piedade a coitada que a estas alturas já se encontrava capturada pelo olhar. Com o tempo um verdadeiro exército de rejeitadas suspirava a sua passagem, sempre acompanhado pela última conquista. Mas esta durava pouco já que o rapaz amava a variedade.

Até que ocorreu o inesperado, o improvável: Madalena aportou no bairro para morar com a tia. Uma deusa era Madalena e, entre todas, seria a mais bela conquista de Rodolfo. Apenas um pequeno senão. O poder do olhar não poderia ser exercido: Madalena era cega! Cega e linda! Linda e inteligente! Inteligente e doce! Doce e bem humorada! Bem humorada e feliz! A turma da sinuca cobrou: e agora? Rodolfo vangloriou-se: moleza. O papai aqui se garante Existem 5 sentidos e nela só falta um. Me garanto nos outros quatro. Vou matar a gata com minha voz. Me aguardem.

E passou a treinar modulações e entonações que a fariam delirar. Deu o bote numa festa em casa de Laurinha. Caprichou no tom quando se aproximou de mansinho convidando-a para dançar: me daria o prazer? Sorrindo ela abre os braços, aceitando e dizendo: sua voz é igual à de meu avô!  Droga! Avô é demais. Com voz de avô não vai dar pé.

Mas ainda existiam três sentidos. E tome hidratante no rosto. Quase acabou com o pote de creme da irmã. E, suplicante, na primeira oportunidade pede a ela: passe as mãos no meu rosto. Veja como eu sou.  E as mãos suaves de Madalena percorreram seu rosto. E vem a tragédia: você tem a pele muito oleosa. Acho mesmo que uma espinha está se criando aqui. Lava bem o rosto com  sabonete. Depois de uma pausa continua: você deve ser o que chamam de bonito.  E ele se deu conta de que a beleza não seria um trunfo.

Durante dias Rodolfo penou atormentado pela cobrança da turma da sinuca: e então? Ganha ou não ganha a moça? E ele cada vez mais sem jeito. Sobrando só o olfato e o paladar partiu para o ataque. Encomenda pela Internet uma água de colônia francesa, caríssima. Segundo a propaganda nem Gisele Bündchen resistiria. Mas Madalena, alérgica, espirrando, suplicou que ele se afastasse.

Em desespero suplicou à mãe que fizesse o famoso picadinho que a todos enlouquecia. Iria convidá-la para um jantar à luz de velas, mesmo sabendo que esta luz ou outra qualquer não faria diferença. Mas o clima o ajudaria, certamente. Em vão. Madalena comeu o picadinho como se fosse o cachorro quente do vendedor da esquina. E este foi último encontro. 

E foi ai que Rodolfo entristeceu. Já não olhava as moças que passavam. Já não dormia. Já não comia. Que diabo está acontecendo comigo, pensou. Nunca me senti assim. A turma da sinuca tentava animá-lo. Vai ver ela gosta de alguém. Vai ver deixou um namorado por lá onde morava. Até que o Zeca teve uma ideia. A irmã dele havia ficado muito amiga de Madalena. E se ela sondasse, assim como quem não quer nada, para saber o que Madalena achava de Rodolfo. Alguma dica poderia surgir dali. E assim foi feito.

Dias depois Zeca, às gargalhadas, comunica à turma: Madalena estava inicialmente interessadíssima em Rodolfo. Mas de repente ele começou a falar esquisito, pedindo que ela passasse as mãos em seu rosto de pele muito oleosa, usando um perfume insuportável. Para coroar tinha aprontado um jantar em que o gosto da comida se misturava com o cheiro de velas, enjoando. Uma pena. Ela, que nunca havia se interessado por alguém, tinha tido tanta esperança. Pena mesmo.


Rodolfo, se dando conta de que toda aquela tristeza só poderia significar uma coisa absurda: estava amando. E parte de cara lavada e voz verdadeira, em busca da amada. Já lá vão vinte anos. Os filhos de Madalena e Rodolfo não se cansam de ouvir a história da conquista. E naquela casa onde não se usa água da colônia, nem se come a luz de velas, eles são felizes para sempre.   

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