A fama de Otávio Augusto como tinturista havia ultrapassado
os limites do bairro e até mesmo da cidade. De longe vinham mulheres de todas
as idades para entregar seus cabelos às mágicas misturas que resultavam em
cores e tons jamais vistos. Horas eram marcadas com semanas de antecedência.
Dava até briga! Mas o sucesso parecia
lhe ser indiferente. Otávio Augusto, nos seus mais de sessenta anos, era um
homem triste. Muito triste. Sua vida era
um mistério. Não parecia ter passado e não lhe importava o futuro. De há muito
os colegas e as clientes haviam desistido de entabular conversa. A única
resposta que obtinham era um sorriso triste e gentil.
Mas um comportamento diferente ocorria quando alguma
cliente pedia que lhe pintasse os cabelos de vermelho. Nestas ocasiões podia-se
perceber que a tristeza habitual revestia-se de uma grande emoção. Suas mãos
eram possuídas de um quase imperceptível tremor e ele parecia afagar os cabelos
que lhe eram entregues, retardando o momento em que os teria que deixar. E o
resultado? Esplendoroso! Seus olhos tristes seguiam a cliente até que
desaparecesse porta afora e neste momento a tristeza transformava-se em dor. Visível , sólida.
Coisa esquisita comentavam todos.
Naquele sábado o salão estava em polvorosa. Casava-se
Carmita , a neta do desembargador Padilha. O salão
havia sido reservado para a noiva, sua família, madrinhas, damas de honra e
algumas convidadas mais chegadas. Carmita havia passado os dias que antecederam
a este sábado tentando convencer a avó, a doce D. Nininha, a arrumar os cabelos
para cerimônia. Tarefa difícil esta porque D. Nininha jamais fora a um salão e
empenhava-se em esconder a beleza, que ainda assim era visível, atando os
cabelos brancos num coque severo. Este coque existira sempre.
Comentava-se na família a estranheza que havia causado o
coque que apertara os cabelos de um vermelho intenso, quando da entrada na
igreja da noiva de então. D. Nininha havia sido uma noiva triste. Sabe-se lá
porque. O desembargador, então um jovem advogado, era
um excelente partido, sobretudo para aquela moça de origem humilde. A tristeza da noiva pareceu sumir com o
nascimento dos filhos e netos a quem dedicou uma vida de carinho e atenção. Ela
era por eles adorada. Com o marido - a
quem chamava Dr. Padilha – mantinha uma relação cordial que ele retribuía na
mesma forma. Pouco conversavam. Mas isto não era muito notado. Dr. Padilha era um homem de poucas palavras.
D. Nininha resistiu o mais que pode ao assédio de Carmita,
a primeira neta e a preferida. Difícil negar-lhe um pedido. E foi assim que D.
Nininha acabou capitulando. Na esperança de ser salva, no último momento, do
que inexplicavelmente parecia ser um terrível sacrifício, chegou quando o salão
já estava atendendo a última convidada. Otávio Augusto estava de saída
arrumando o quarto onde preparava as tinturas. O cabeleireiro que havia sido
instruído por Carmita para atender a avó, se adiantou para conduzi-la ao
lavador. Neste momento Otávio Augusto sai do quarto. Seu
olhar cai sobre D. Nininha e ele se imobiliza frente a ela como se houvesse
visto um fantasma. D. Nininha, também imóvel, olha para ele. Sem dizer palavra
Otávio Augusto delicadamente a pega pelo braço e a conduz
a uma das cadeiras. O outro profissional se espanta ao ver que D. Nininha se
deixava conduzir com um rosto radiante. Otávio Augusto
retorna ao quarto das tinturas. O outro cabeleireiro se aproxima da cadeira,
mas é imobilizado pela voz de D. Nininha que firme, declara: “Deixa! Ele vai me
atender!”
Otávio Augusto retorna e com extremo
carinho desfaz o coque de D. Nininha, acariciando os cabelos que se derramam
sobre os ombros da senhora revelando uma linda e radiante mulher. Duas horas depois, na igreja, a visão da avó
ofusca a da noiva. D. Nininha para espanto e encanto de todos voltou a ter os
cabelos vermelhos que lhe emolduravam o rosto aos dezoito anos. Na recepção D.
Nininha irradiando felicidade era a rainha da festa ao contrário do desembargador
que apresentava uma expressão estranhíssima. Parece estar em pânico, comentaram
alguns.
A festa entra madrugada adentro e no dia seguinte os
primeiros a acordar encontram o desembargador
sentado em sua cadeira de balanço, olhar desamparado, com um bilhete nas mãos.
Na letra trêmula de D. Nininha o lacônico texto: “cumpri meu papel e na cor de
meus cabelos recuperei o amor de minha vida. Adeus”. E nunca mais se ouviu
falar neles.
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