O que havia de mais
extraordinário naquela pequena cidade eram as donas do único salão de beleza. Eram
quatro e desde crianças, amigas de fé. Rosa, negra lustrosa de olhos grandes;
Misuko, nisei doce e calma; Fátima, bela morena filha de libaneses e Jandira,
cabelos negros e escorridos herdados dos avós índios. Acrescentando mais
tempero a esta salada de raças cada uma delas caiu-se de amores pelo irmão de
outra e foI correspondida. Casaram-se no
mesmo dia e as famílias, que faziam gosto, deram nó em pingo d’água para conciliar
a fé de cada uma à cerimônia.
Passaram a viver como uma
comunidade em que os filhos, lindas crianças mestiças, tinham em cada um deles
pais tão carinhosos quanto os próprios. Porque havia um aspecto os tornava
iguais: haviam aprendido desde cedo a aceitar e valorizar a riqueza das diferenças.
As quatro se rivalizavam em competência e talento. Mais que isto se tornaram
especialistas na criação de penteados que levavam toques de suas raças. O
sucesso foi tanto que foram ficando mais ousadas: passando a agregar aos
penteados objetos de adorno de suas origens que chamavam atenção naquele
interior tão pacato. Quem chegasse à cidade espantava-se ao ver desfilar
senhoras ostentando sobre os cabelos primorosamente arrumados penas, pentes de
marfim, pedras brilhantes e conchas.
O salão que havia sido
criado para complementar o salário dos maridos na fábrica de tecidos, única
razão de ser da cidade, passou a ser a principal fonte de renda e fervilhava de
clientes vindos de cidades vizinhas bem mais importantes. Tudo ia às mil
maravilhas até que D. Arminda, senhora do Prefeito, caiu em depressão. Era ela
a líder social da cidade e uma das mais entusiastas clientes do salão. Era
triste de se ver aquela mulher tão vaidosa, tão ciosa de sua aparência,
transformada num frangalho: desgrenhada, metida num roupão velho e imóvel numa
cadeira do quarto, apenas chorava. O médico, o padre e a família tentaram de
tudo e nada funcionou.
Foi ai que as quatro amigas
resolveram entrar em campo: apresentaram-se na casa da senhora carregando
misteriosas sacolas e trancaram-se no quarto com ela sem dar qualquer
explicação. Durante muito tempo a família, grudada na porta pela curiosidade e pela
aflição, escutava apenas murmúrios. De repente uma risada gostosa e quase caem de
espanto. Era sem dúvida o riso de Arminda! Agora riam todas, falando ao mesmo
tempo! E a porta se entreabre deixando passar Rosa que ordena a todos que coloquem
em semicírculo como para assistir a um espetáculo. Num gesto teatral apresenta
D. Arminda que surge vestida com um quimono luxuriante (traje de casamento da
avó de Misuko), trazendo ao pescoço um colar de pedras da mãe de Fátima tendo
os cabelos num penteado afro adornado por um cocar de luxuriantes penas
coloridas. Radiante ela declara: eu havia
esquecido de sonhar.
A notícia correu célere
pela cidade. E, no início, timidamente e depois mais audaciosas, as clientes do
salão começaram a exigir uma sessão de sonhos. Saiam do salão travestidas nos
mais estranhos aspectos... mas lindas. Estavam ousando sair da rotina entregando-se
à fantasia. Filhos, maridos, irmãos passaram a ver nelas outras pessoas: mais
alegres, mais moças, mais felizes. Foi uma reação em cadeia. Até a fábrica, tão
cinzenta e triste, coloriu-se com operárias ostentando penteados e roupas
extraordinárias. No início houve certa reação dos encarregados até perceberem que
todas trabalhavam mais e melhor.
E eis que o Governador do
Estado resolve visitar a cidade. Ao descer do carro seu olhar demonstrou o
espanto ao ser recebido também por D. Arminda que, como todas as demais
senhoras presentes, havia passado o dia anterior no salão e apresentava uma de
suas criações mais requintadas. Foi discreto, no entanto, e saudou o Prefeito
perguntando: acredito que o senhor tenha
agendado uma visita à fábrica. Antes que este pudesse responder, D. Arminda
adianta-se: a qual das duas o senhor se
refere, Governador? O Governador espanta-se: Duas?! Só tenho notícia de uma. A de tecidos. E D.Arminda sob os
aplausos da população que cercava a comitiva responde: Temos outra. Muito mais importante. A fábrica de sonhos! Lá aprendemos
que somos todos iguais.
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