quarta-feira, março 05, 2014

O SEGREDO


Podia-se dizer, sem mentir, que Quinzinho era um homem de sorte. Desde o nascimento tudo havia dado certo e foi assim, que aos trinta anos, a vida lhe sorria no rosto de Dalva, sua mulher. Dalva havia sido, e ainda era, a mulher mais bonita que já vira. Estavam casados havia dez anos e eram citados por todos como o casal mais feliz daquelas paragens. De fato era invejável o entendimento entre os dois. Amavam-se perdidamente. Não havia entre eles palavras não ditas, pensamentos não revelados, anseios não expressos. Confiavam tudo um ao outro, certos do entendimento, da aceitação, da compreensão. Por esta razão Quinzinho não se recriminava de haver guardado um único segredo: era estéril.

Havia sabido disto quando se candidatou ao tiro de guerra na cidade onde estudava, longe de todos. Na época aquilo incomodou um pouco e ele guardou para si a informação. O incômodo logo passou quando Dalva, no início do namoro, lhe fez uma extraordinária confissão: achava difícil que um homem a quisesse como esposa já que ela abominava a ideia de ter filhos. Quinzinho, já caído de amores, exultou. E, sabe-se lá por que não revelou sua impossibilidade neste setor. Apenas concordou, entusiasmado: filhos jamais!  E vai daí que esqueceu a esterilidade. Esqueceu mesmo.

E eis que chega de Portugal um primo distante para uma visita. Hospedou-se em casa dos pais de Dalva e, imediatamente, ficou íntimo do casal que se maravilhava com histórias e descrições de uma Europa que lhes parecia um lugar encantado. Havia vindo para passar dois meses, mas de repente, para espanto geral resolveu partir. E todos culparam Dalva deste fato por que ela, inexplicavelmente, havia se tomado, do dia para noite, de uma solene antipatia pelo Primo tratando-o com indiferença e até com certa grosseria. Recriminada por todos Dalva reagiu mal, pela primeira vez, até com Quinzinho. Mas ele colocou um ponto final no assunto.  

Pouco tempo depois o ponto final transformou-se num raio quando Dalva, aos prantos, revelou que estava grávida. Estava esclarecida a rejeição de Dalva ao Primo. Quinzinho, ao invés de bradar aos céus, como seria de esperar, emudeceu. E suas lágrimas juntaram-se às de Dalva. O médico espantou-se: mulher com depressão pré parto já não era comum, homem então!  Pela primeira vez não tinham eles a mesma clareza sobre os fatos: o motivo do pranto de Dalva era conhecido por Quinzinho. E ela, que nem desconfiava disto, atribuía a um filho não desejado a torrente de lágrimas do marido. E ele sofria. Sofria muito. Isto durou até que foram a um show de Roberto Carlos. Como última música ele cantou, emocionado, “Eu vi a mulher preparando outra pessoa”... e o tempo parou para que Quinzinho olhasse para aquela barriga como fruto seu.

E foi assim que Joaquinzinho nasceu lindo e bem vindo para alegria da família e espantosamente de Dalva e Quinzinho.  Mas desmentindo ditado, um raio cai, sim, duas vezes no mesmo lugar. Num terrível diagnóstico Joaquinzinho adoece e a única salvação seria um transplante de fígado. Dalva havia tido hepatite e não poderia ser a doadora. Ela e Quinzinho, ambos sabedores da verdade, se desesperam. Quinzinho submete-se aos exames para verificar a compatibilidade. Mudos, eles esperam pelo milagre de uma coincidência impossível. E eis que o médico, olhando o resultado do exame, anuncia ao aterrado casal: não nega que é seu filho. E Joaquinzinho é operado com o maior sucesso. Pasmo Quinzinho procura uma clinica e em segredo se faz examinar. Aleluia! O exame feito por época do tiro de guerra não se confirma.  No hospital ainda, para distrair o filho, Quinzinho mostra um álbum de família identificando os retratados.


E eis que o dedinho do menino aponta o Primo, numa das fotos: quem é esse? Dalva retém a respiração e observa o marido. Uma retumbante gargalhada ecoa no quarto. Quinzinho ri. Ri e chora. Ele toma Dalva nos braços e rodopia com ela, dançando leve e solto. E ele grita, brada aos céus: Dalva, meu amor, você tinha razão, o Primo era um cretino. E voltando-se para o filho: este ai, meu filho, não era ninguém! Sem que fosse preciso explicar e porque se amavam muito, Dalva entendeu tudo. E foi assim que o único segredo que havia entre eles desapareceu para todo sempre no riso alegre de Joaquinzinho.  

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