Podia-se dizer, sem mentir, que Quinzinho era um homem de sorte. Desde
o nascimento tudo havia dado certo e foi assim, que aos trinta anos, a vida lhe
sorria no rosto de Dalva, sua mulher. Dalva havia sido, e ainda era, a mulher
mais bonita que já vira. Estavam casados havia dez anos e eram citados por
todos como o casal mais feliz daquelas paragens. De fato era invejável o
entendimento entre os dois. Amavam-se perdidamente. Não havia entre eles palavras
não ditas, pensamentos não revelados, anseios não expressos. Confiavam tudo um
ao outro, certos do entendimento, da aceitação, da compreensão. Por esta razão
Quinzinho não se recriminava de haver guardado um único segredo: era estéril.
Havia sabido disto quando se candidatou ao tiro de guerra na cidade
onde estudava, longe de todos. Na época aquilo incomodou um pouco e ele guardou
para si a informação. O incômodo logo passou quando Dalva, no início do namoro,
lhe fez uma extraordinária confissão: achava difícil que um homem a quisesse
como esposa já que ela abominava a ideia de ter filhos. Quinzinho, já caído de
amores, exultou. E, sabe-se lá por que não revelou sua impossibilidade neste
setor. Apenas concordou, entusiasmado: filhos jamais! E vai daí que esqueceu a esterilidade.
Esqueceu mesmo.
E eis que chega de Portugal um primo distante para uma visita.
Hospedou-se em casa dos pais de Dalva e, imediatamente, ficou íntimo do casal
que se maravilhava com histórias e descrições de uma Europa que lhes parecia um
lugar encantado. Havia vindo para passar dois meses, mas de repente, para
espanto geral resolveu partir. E todos culparam Dalva deste fato por que ela, inexplicavelmente,
havia se tomado, do dia para noite, de uma solene antipatia pelo Primo
tratando-o com indiferença e até com certa grosseria. Recriminada por todos Dalva
reagiu mal, pela primeira vez, até com Quinzinho. Mas ele colocou um ponto
final no assunto.
Pouco tempo depois o ponto final transformou-se num raio quando Dalva,
aos prantos, revelou que estava grávida. Estava esclarecida a rejeição de Dalva
ao Primo. Quinzinho, ao invés de bradar aos céus, como seria de esperar, emudeceu.
E suas lágrimas juntaram-se às de Dalva. O médico espantou-se: mulher com
depressão pré parto já não era comum, homem então! Pela primeira vez não tinham eles a mesma clareza
sobre os fatos: o motivo do pranto de Dalva era conhecido por Quinzinho. E ela,
que nem desconfiava disto, atribuía a um filho não desejado a torrente de
lágrimas do marido. E ele sofria. Sofria muito. Isto durou até que foram a um
show de Roberto Carlos. Como última música ele cantou, emocionado, “Eu vi a mulher preparando
outra pessoa”... e o tempo parou para que
Quinzinho olhasse para aquela barriga como fruto seu.
E foi assim que Joaquinzinho nasceu lindo e
bem vindo para alegria da família e espantosamente de Dalva e Quinzinho. Mas desmentindo ditado, um raio cai, sim, duas
vezes no mesmo lugar. Num terrível diagnóstico Joaquinzinho adoece e a única
salvação seria um transplante de fígado. Dalva havia tido hepatite e não poderia
ser a doadora. Ela e Quinzinho, ambos sabedores da verdade, se desesperam.
Quinzinho submete-se aos exames para verificar a compatibilidade. Mudos, eles esperam
pelo milagre de uma coincidência impossível. E eis que o médico, olhando o
resultado do exame, anuncia ao aterrado casal: não nega que é seu filho. E Joaquinzinho é operado com o maior
sucesso. Pasmo Quinzinho procura uma clinica e em segredo se faz examinar.
Aleluia! O exame feito por época do tiro de guerra não se confirma. No hospital ainda, para distrair o filho,
Quinzinho mostra um álbum de família identificando os retratados.
E eis que o dedinho do menino aponta o Primo,
numa das fotos: quem é esse? Dalva
retém a respiração e observa o marido. Uma retumbante gargalhada ecoa no
quarto. Quinzinho ri. Ri e chora. Ele toma Dalva nos braços e rodopia com ela,
dançando leve e solto. E ele grita, brada aos céus: Dalva, meu amor, você tinha razão, o Primo era um cretino. E
voltando-se para o filho: este ai, meu
filho, não era ninguém! Sem que fosse preciso explicar e porque se amavam
muito, Dalva entendeu tudo. E foi assim que o único segredo que havia entre
eles desapareceu para todo sempre no riso alegre de Joaquinzinho.
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